Como ser produtivo ao trabalhar de casa quando se tem filhos para cuidar, rotina para administrar e tarefas para concluir? Saiba como se organizar melhor e ter tempo para (quase) tudo.
Mesmo antes de toda a pandemia do coronavírus, quem não conhece uma mãe ou pai que, depois da chegada das crianças, percebeu que não fazia mais sentido passar o dia todo no escritório? Foi exatamente a rotina de ficar horas longe de casa que fez com que a administradora Stelle Oliveira, 36 anos, mãe de Matheus, 3, pedisse para a empresa em que trabalhava há oito anos flexibilizar seu modelo de trabalho. O objetivo era que pudesse passar, pelo menos, alguns períodos em home office. Ela não foi atendida e ainda perdeu o emprego ao fim da licença-maternidade. Sem trabalho, mas perto do filho pequeno, decidiu abrir o próprio negócio: uma loja virtual de roupas de criança, que pode administrar em casa, entre uma troca de fralda e outra.
O que aconteceu com Stelle está longe de ser exceção. Segundo pesquisa da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas, metade das mulheres que tiram licença-maternidade não continua no emprego 12 meses após o nascimento do bebê. E não é porque a profissão deixa de ser importante para elas. Muito pelo contrário: 63% das mulheres ouvidas em uma pesquisa da rede social de negócios LinkedIn, feita em 13 países, incluindo o Brasil, disseram que era motivo de felicidade conseguir conciliar carreira e vida pessoal. “Muitas mães querem voltar ao mercado, mas o fim da licença-maternidade é um momento de angústia. Elas se questionam como vão deixar aquele bebê pequeno tanto tempo longe dos seus olhos. Daí surge a culpa”, explica a psicóloga e psicanalista Maiana Rappaport, da Casa Moara (SP), espaço dedicado ao atendimento de gestantes, mães e famílias.
Felizmente, a percepção das empresas de que ter o funcionário a distância seria assumir o risco de perder o controle sobre a produtividade mudou. Atualmente, esse modelo de trabalho começou a ser encarado como um aliado para reter uma mão de obra qualificada que busca satisfação na carreira e também tempo para se dedicar à família.Essa mudança de mentalidade foi comprovada em pesquisa feita pela consultoria Robert Half. Nos últimos três anos, 44% dos diretores de Recursos Humanos (RH) ampliaram a prática do teletrabalho nas empresas mais importantes do país. “É um movimento irreversível, em que todos ganham”, afirma Cleo Carneiro, presidente da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt).
Confira 8 dicas para trabalhar em casa, se organizar melhor e ter tempo para (quase) tudo:
1. Peça ajuda:
Quando a psicóloga Tamira Moreira, 35, mãe do João, 2, saiu da empresa em que era consultora de RH para atender pacientes em casa, por Skype, sabia que precisava de ajuda para que seu novo esquema de trabalho fosse bom para ela e para o filho. “Logo percebi que o home office só daria certo se alguém cuidasse pelo menos meio período do João”, diz. Durante a manhã, mãe e filho ficam juntos. À tarde, a babá entra em cena, e Tamira trabalha. Mas, dia desses, João driblou a cuidadora e entrou no quarto da mãe, que participava de uma teleconferência. “Ele disse, orgulhoso: olha, abi a porta, mamãe!”, conta Tamira, rindo.A “aparição” de João foi ao mesmo estilo da dos filhos do professor americano Robert Kelly, surpreendido por Marion, 4, e James, 9 meses, no momento em que dava uma entrevista ao vivo para a rede britânica BBC. Lembra? O vídeo, que mostra a filha mais velha entrando alegremente no escritório do pai, ganhou o mundo e já tem mais de 30 milhões de visualizações no YouTube. Nem a presença da mãe em casa impediu que as crianças se aproveitassem dessa “falha na segurança” no home office do pai. Ainda que você não escape de situações como as de Tamira e Robert, é preciso ter ajuda. Então, se não puder pagar um cuidador e seu filho fica na escola apenas meio período, peça ajuda para a tia, a avó, a vizinha e reveze com o pai os cuidados com as crianças.
2. Mantenha a organização:
No livro A Mente Organizada — Como Pensar com Clareza na Era da Informação (Ed. Objetiva), o neurocientista americano Daniel Levitin afirma que quem não se organiza corre o risco de deixar aos outros a escolha do objeto de sua atenção no dia a dia. No caso do home office, esses “outros” podem ser as crianças. Quando a empresária Paula Laffront, 37, optou por trabalhar em casa para poder acompanhar o crescimento dos filhos, Daniela, 13, Antônio, 3, e Martina, 1, sabia que teria de se organizar muito, principalmente por não ter a ajuda de babá ou de empregada doméstica. Ela e o marido, que também faz home office, dividem todas as tarefas: as da casa, as da empresa e o cuidado com as crianças. Segundo Paula, o importante é saber que não dá para fazer tudo ao mesmo tempo. “Eu trabalho pesado quando meus filhos estão na escola. Quando eles voltam, me dedico a eles e encaixo algumas atividades mais simples à rotina. Se vão para o banho, aproveito para limpar o banheiro”, explica. O administrador Alexandre Moço de Barros, que pesquisou o home office para sua dissertação de mestrado pela PUC-RJ, dá algumas dicas para que as demandas com a casa e com a família não prejudiquem o rendimento do trabalho. Segundo ele, pais e mães têm de fazer uma to do list, ou seja, uma lista com todas as tarefas profissionais que precisam ser realizadas e entregues a curto, médio e longo prazo. Também é importante não misturar trabalho com vida pessoal. Deixe para pagar as contas, ir ao supermercado ou levar o cachorro para fazer xixi no fim do expediente ou no horário de almoço. Isso ajuda a deixar o trabalho sempre em dia, ficando mais fácil curtir a flexibilidade de horários.
3. Transforme dias úteis em sábados, domingos e feriados:
Quase sempre quem trabalha em casa não tem carga horária fixa, mas trabalhos que entram e saem e com prazos de entrega. É o caso do projetista Vinicius Shirazi Conti, 30. Quando a empresa em que trabalhava começou a atrasar salários, ele viu a chance de fazer algo que sempre teve vontade: virar freelancer e trabalhar de casa para ficar mais perto das filhas Laura, 5, e Heloisa, 3. Mas logo percebeu que, dependendo do projeto, trabalhava mais do que antes, às vezes mais de 14 horas ininterruptas, embora sempre com as filhas ao redor. “A Laura, vira e mexe, dorme embaixo da minha mesa”, conta, orgulhoso. Segundo Alexandre de Barros, as jornadas muito longas são, comprovadamente, um dos problemas do home office. “Nas empresas, há a hora de entrar, a de almoçar e a de ir embora. Quando se trabalha em casa, esses momentos não são tão claros, e o trabalhador acaba extrapolando porque pensa: ‘ah, já estou em casa mesmo’.” Vinícius não se ressente porque, quando o projeto acaba, seu ritmo de trabalho cai drasticamente: “Tem dias em que trabalho apenas 4 horas ou nem faço nada”, diz. Aí, a família toda aproveita. “Às vezes, nem é fim de semana e saímos para ir ao Sesc, a museus, ao cinema”, comemora. Por isso, se o trabalho que você faz depende do job que você fecha, não hesite em transformar dia de semana em domingo e feriado para curtir ainda mais a sua família.
4. Fuja da carreira solo:
A empresária Paula Laffront, 37, se define como “introvertida e antissocial assumida” e, por isso, o home office nunca foi um problema, pelo contrário. “Sempre me desconcentrava com o barulho no escritório. Adoro trabalhar quando estou completamente sozinha”, conta. Mas quem é mais extrovertido, como a publicitária Carolina Marques 31, mãe da Alice 4, e Aurora, 2, sente o baque. Ela confessa que os bate-papos com os amigos, as reuniões com os chefes, os intervalos para o café e momentos de descontração fazem falta não apenas para ela, mas também para a sua carreira. “Uma reclamação comum de quem trabalha em home office é a falta de visibilidade. Muitos desabafam dizendo que, como não estão presentes no dia a dia do escritório, nem sempre são notados pelos pares”, diz Alexandre de Barros. De olho nessa lacuna, muitas empresas com trabalhadores em home office já têm adotado a prática do hot desking – estações de trabalho compartilhadas, prontas para receber os trabalhadores que ficam em casa, mas decidem trabalhar algumas vezes por semana ou por mês na sede da empresa. Eu mesma vou à agência de comunicação em que trabalho pelo menos uma vez na semana para usar esses espaços. “Tenho percebido nas pesquisas que essa prática é muito efetiva. Os funcionários que têm essa possibilidade dizem que, assim, têm acesso ‘ao melhor dos dois mundos’”, revela o especialista. Então, você já sabe, sempre que possível, marque reuniões na empresa para a qual você presta serviço e almoce com os colegas de trabalho e clientes.
5. Tire o pijama:
Confesso que essa é uma das regras mais difíceis de serem respeitadas. Mas, segundo especialistas em teletrabalho, o pijama pode ser inimigo da produtividade. “É importante que o nosso cérebro entenda que estamos prontos para o trabalho. Não precisa se arrumar para ficar em casa, mas também não dá para passar o dia inteiro de roupas de dormir”, diz Cleo Carneiro. A jornalista e escritora Fabiana Faria, 36, é uma dessas. Ela acorda de madrugada para trabalhar e aproveitar a casa ainda em silêncio. Confessa que fica de pijama até quase a hora do almoço, quando finalmente toma banho e se troca para levar o filho, João, 8, até a perua escolar. Segundo um estudo sobre o home office feito pela professora Susanne Tietze, da Nottingham Business School (Reino Unido), vestir-se bem mesmo quando se está trabalhando em casa pode trazer outro benefício: passar a imagem de alguém ocupado, deixando claro que não está disponível para interrupções desnecessárias.
6. Separe um tempo na agenda para ficar só com os filhos:
Nem sempre quem trabalha em casa consegue ter tempo de qualidade com os filhos. Esse foi o caso da bióloga Bruna Carvalho, 34. Ela decidiu deixar para trás seu pós-doutorado para se dedicar ao filho, Valentim, 3, e, para isso, transformou um hobby em negócio: começou a vender os slings que criava e sempre faziam sucesso entre as mães que encontrava nas pracinhas do Rio de Janeiro. Embora estivesse feliz em empreender e passar mais tempo com o filho, não demorou muito para perceber que o home office pedia equilíbrio. “Não dá para juntar as coisas, esse glamour do empreendedorismo materno não é real. Não demorou e percebi que precisamos ter tempo para trabalhar e outro tempo de qualidade com as crianças”, diz. O marido da empresária, o engenheiro Bruno Borba, 40, ajudava o quanto podia, mas vivia viajando a trabalho, mesmo depois de aderir à política de home office da empresa em que trabalhava. Foi aí que ele pediu demissão, para trabalhar com a mulher no e-commerce e o “escritório” do casal mudou de endereço: deixou o Rio de Janeiro e foi para São Lourenço, em Minas Gerais. Em uma cidade pequena, longe do trânsito, perto da família da Bruna e com as tarefas do lar e da empresa divididas de forma mais igualitária entre os dois, o casal sente que está conquistando o que mais queria: passar tempo de qualidade com o filho. “Hoje temos mais tranquilidade, mais tempo e menos preocupação”, diz Bruno. Segundo a psicológa e psicanalista Maiana Rappaport, “o fato de você estar em casa não quer dizer que esteja com seu filho”. Ou seja, é preciso se organizar para aproveitar as chances de um trabalho mais flexível para passar mais tempo com a criança. Então, programe seus horários e faça um esforço para cumpri-los.
7. Tenha um espaço organizado para trabalhar:
Esse é um dos pontos mais importantes do home office, segundo Alexandre de Barros. Ele ressalta que a maioria das casas e dos apartamentos não foi planejada para ser um local de trabalho. Geralmente, os ambientes são pequenos, com dois ou três quartos já ocupados pelo casal e pelos filhos, e, por isso, muitas pessoas acabam se instalando em espaços improvisados, “em um canto da sala” ou até no sofá, com o laptop no colo, analisa. O problema disso? “Se o trabalhador não tem um espaço bem delimitado, não vai conseguir fazer nada direito, porque vai passar o tempo todo sendo interrompido pela televisão, pelo filho correndo de um lado para o outro, além de ouvir todos os barulhos que vêm da cozinha, por exemplo. Um ambiente adequado não precisa ser luxuoso, mas tem de ser isolado do restante da casa”, sugere. Vale lembrar que, além disso, os móveis do escritório têm de ser ergonômicos e confortáveis, como os dos escritórios das empresas, para que o trabalhador não corra o risco de sofrer qualquer tipo de lesão.
8. Cuide de você:
Todos os pais precisam de um tempo só para eles. Mas muitas vezes isso passa despercebido com quem faz home office porque é fácil misturar o trabalho com a vida pessoal. A advogada Adelita Carvalho, 36, e o marido, o técnico em manutenção Marcelo Camargo, 43, que trabalham em casa para poder ficar perto dos três filhos, Matheus, 14, Heloísa, 2, e Rafaela, 9 meses, têm uma solução. Pelo menos uma vez por mês, Adelita encontra um grupo de amigas, nem todas mães. “Eu ‘divido’ os filhos. O marido fica com os mais velhos e uma tia fica com a mais nova”, revela. “Conversamos sobre tudo, nos divertimos muito. Estar com meus filhos é prioridade absoluta, mas esse tempo com as minhas amigas é necessário para que eu mantenha a minha identidade”, conta. “Costumo dizer que a gente tem fome de várias coisas, não existe apenas um lado que nos satisfaça plenamente”, explica a psicóloga Maiana Rappaport. Portanto, não deixe de se cuidar, de ir ao cabeleireiro, jantar com os amigos, curtir seu companheiro a sós e ter a sua individualidade, sempre. Vai ser melhor para você e para sua família, pode acreditar.
Matéria compartilhada do site da Revista Crescer.